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  • Foto do escritorAndré Ferrreira

Sessão de terapia de James Bond



Um bom exercício para introduzir o processo psicoterápico para quem nunca foi paciente é acompanhar a descrição de uma sessão com um personagem fictício. Nesse caso o Sr. Bond vai se consultar.



André: Bem-vindo, Sr. Bond. Por favor, sente-se. Você aceita uma água?


James Bond: Obrigado, não estou com sede.


André: Muito bem. Antes de falarmos sobre o que te trouxe aqui, gostaria de reforçar que nossas conversas são sigilosas, salvo se você ou alguma pessoa estiverem com a integridade física ameaçada. Na prática, eu tomarei a decisão de me comunicar com seu contato de emergência caso você esteja em sofrimento agudo. Você compreende?


JB: Sim, mas acho que você não precisa se preocupar com isso.


A: Que bom, fico feliz. Então me diga, sou todo ouvidos, o que eu posso fazer por você?


JB: Eu nunca fiz isso antes, André, mas eu... estou me sentindo muito sobrecarregado ultimamente.


A: É mesmo? Como assim?


JB: Minha profissão exige muito de mim, e a pressão constante, as ameaças e as incertezas têm pesado em meus ombros. Às vezes, sinto como se estivesse carregando o peso do mundo sobre mim. E o pior, eu tenho que me manter sempre confiante, passando a imagem de alguém destemido.


A: O que você tem sentido ao se ver nessa situação?


JB: Hum... acho que me sinto um pouco ansioso e... estou um pouco triste porque recentemente perdi alguns companheiros que eu gostava muito.

A: Você parece ter mesmo um trabalho muito difícil.


JB: Sim, e às vezes eu me pergunto se eu quero continuar mesmo ou não. Eu gosto do que eu faço e da adrenalina, mas nesses últimos tempos parece que até isso perdeu um pouco a graça.


A: Deve estar sendo muito difícil. Como você lida normalmente com o estresse do trabalho?


JB: Ah, eu simplesmente vou e faço. Falo comigo mesmo que esse é o trabalho, alguém tem que fazer e eu sou bom no que eu faço. E é verdade, muita gente depende de mim. E algumas vezes eu não consigo mesmo, não dá pra salvar todo mundo que eu encontro pela frente.


A: Você se sente culpado pelas pessoas que não salvou?


JB: Não... não, acho que não. Talvez um pouco agora com esses meus colegas que faleceram recentemente.


A: Eles faleceram por culpa sua?


JB: (suspira) não. Na verdade eles estavam em outra missão, mas eu não consigo deixar de pensar que se eu estivesse com eles eu teria conseguido salvá-los.


A: Este é um pensamento que parece te trazer muita angústia. Você sente hoje culpa em outras partes da sua vida?


JB: Ah, às vezes sim... (silêncio)

A: Posso ver que esse é um tema delicado, não precisamos falar dele agora se você não quiser. Mudamos de assunto então?


JB: Melhor.


A: E você tem se sentido meio triste, desanimado ou irritado nesses últimos dias?


JB: Mais ou menos, as coisas meio que perderam a graça. Outra noite fui beber um whisky super famoso e caro e eu não gostei tanto. Também me encontrei com algumas mulheres, mas foi meio sem graça. Quer dizer, a gente se divertiu, mas não foi tão bom quanto de costume.

[André investiga outros sintomas depressivos no Sr. Bond e ele está de fato deprimido]


A: Bom, Sr. Bond. Me parece que você está deprimido, você está apresentando nesse momento os critérios clínicos para esse transtorno. Felizmente ele tem tratamento e não parece estar grave, portanto você tem boas chances de se recuperar dada o seu contexto. Você acha que faz sentido esse diagnóstico?


JB: É, acho que sim. Talvez eu estivesse ignorando um pouco essa possibilidade, mas esse é um inimigo que terei de enfrentar.

A: Que bom que pensa assim. Já conversamos um pouco sobre seus sentimentos, sobre um diagnóstico e conheci um pouco mais da sua história. Mas me diga, quais são os seus objetivos com a terapia? Nós vamos listá-los e tentar alcançá-los juntos.


JB: Ah, eu quero me sentir melhor, poder ter prazer ao tomar um whisky ou ser bem sucedido em uma missão particularmente complexa. Queria também me sentir menos culpado pelas mortes dos meus companheiros.


A: Ótimo, são metas realistas e razoáveis, acho que conseguiremos um bom progresso com a ajuda de algumas ferramentas. Posso apresentar algumas pra você?


JB: Pode.


A: Vou fazer um resumo da nossa sessão, do que conversamos e dos pensamentos que te trazem esperança e vou encaminhar para você. Gostaria que você os lesse todos os dias para ir se familiarizando com o processo. Além disso, gostaria que você anotasse todas as situações e pensamentos que te deixarem triste ou desanimado. Esta tarefa é muito importante para que possamos começar a identificar quais os padrões e gatilhos para o seu desânimo. E a partir daí, tratá-los. Faz sentido? Tem alguma dúvida?

JB: Faz sentido, vou tentar fazer.

A: Que bom. Vamos trabalhar em conjunto para alcançar um estado de bem-estar emocional e mental mais saudável.


JB: Estou disposto a tentar, André.


A: Lembre-se, Sr. Bond, você não precisa enfrentar tudo sozinho. Estou aqui para apoiá-lo em sua jornada.


JB: Obrigado, André. Até a próxima sessão.

FIM


Talvez o Sr. Bond não tivesse exatamente essas falas, mas é um exercício imaginativo. Nesse post tentei demonstrar como uma primeira sessão de terapia geralmente acontece. Em resumo, o paciente conta suas dificuldades, o psicólogo investiga sintomas, pensamentos, emoções, história de vida, padrões de comportamento e possíveis outras dificuldades. É discutida a possibilidade de um diagnóstico, se houver, elaboram-se objetivos de terapia e firma-se um acordo de colaboração para atingir o bem-estar desejado.

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